Casos de devolução de crianças adotadas revelam deficiências no sistema e na lei
Na última semana, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina – TJSC – determinou que os pais paguem o tratamento psicológico para criança que devolveram para adoção. No caso, o Tribunal negou a pretensão de um casal de desvencilhar-se da obrigação de pagar tratamento psicológico/psiquiátrico a uma criança de sete anos, a qual desistiu de adotar. Apesar de saber da condição psicológica da criança, que sofria maus-tratos da mãe biológica, o casal insistiu em adotá-la, mas por duas vezes a devolveu para o abrigo por conta de dificuldades no relacionamento com a mesma.
Consta no processo que os pais adotivos, durante o tempo em que estiveram com a criança, suspenderam seu tratamento medicamentoso, psicológico e psiquiátrico, de cuja necessidade de continuidade estavam cientes. Conforme depoimento das psicólogas que acompanharam o caso, após ser devolvida por duas vezes à instituição, a criança passou a apresentar maior agressividade, sentimento de raiva e agitação. Elas ainda afirmaram que ela chamava os pretendentes de pai e mãe.
Para a advogada e psicanalista Giselle Groeninga, diretora de relações interdisciplinares do IBDFAM, neste caso há uma corresponsabilidade dos adotantes e do Estado, “pois cabe ao Estado zelar pelas crianças, e pelo visto esta criança em especial já trazia dificuldades que não podem ser imputadas somente aos pais. No entanto, a responsabilidade pela escolha da adoção cabe aos adultos e não se pode concordar em que se ‘devolva’ uma criança”, disse.
Segundo a advogada Silvana do Monte Moreira, presidente da Comissão de Adoção do IBDFAM, casos como este, de pais adotivos devolvendo crianças, estão acontecendo com frequência. “O que ocorre em todo o Brasil é a ausência de equipes técnicas nas Varas da Infância e da Juventude para que deem efetivo suporte e capacitação na fase de habilitação. As equipes são mínimas, quando existem, e as Varas continuam acumulando competências esdrúxulas. As Varas da Infância e da Juventude devem ser exclusivas e devem ser munidas de equipes técnicas em número suficiente para atender as demandas locais”, expõe.
Para ela, a decisão foi perfeita. “Criança não é objeto e nem animal de laboratório, ou seja: não pode ser devolvida e nem sujeita a experimentos. Não se devolvem filhos naturais ao útero, assim como não se pode devolver filhos adotivos à Justiça. Filho é simplesmente filho, não sujeito a qualquer forma de adjetivação”, reflete.
Adaptação
A Lei de Adoção prevê o estágio de convivência, que tem como função a adaptação de crianças maiores ao novo núcleo familiar. Ocorre que quando a adaptação entre as partes não acontece,alguns adotantes devolvem a criança que estava sob sua guarda.
Para a psicanalista Giselle Groeninga, essa possibilidade precisa ser examinada. “Uma vez tomada a decisão, penso que só em casos extremos deveria ser revertida, como em casos extremos se retira o Poder Familiar. O período de adaptação não pode ser pensado como radicalmente diferente do que é a adaptação de se ter um filho. Claro que as angústias são um tanto diferentes, e isso poderia ser previsto com a utilização desse período com o cuidado por parte de profissionais que possam empoderar os pais. Mas, como disse, se previsto em lei, o período de adaptação poderia ser repensado. Expectativas são criadas com a mera visita de pretendentes à adoção, quem diria com a ida para uma novo lar”.
Silvana Moreira explica que essa atitude pode ser evitada por meio de uma melhor preparação dos habilitandos. “No Rio de Janeiro, capital, existe um grupo denominado Pré-Natal da Adoção, que se compromete a acompanhar os futuros pais por adoção por nove meses, um encontro por mês, em real analogia ao acompanhamento do pré-natal biológico. Durante esses nove encontros são discutidas questões como‘aspectos jurídicos da adoção’, ‘adoção de irmãos’, ‘adoção especial’, ‘adoção inter-racial’, ‘revelação’, ‘criança ideal e criança real’, dentre ouros assuntos. Entendo que esse é o modelo ideal de preparação”.